sábado, 15 de agosto de 2009

G1 > Edição São Paulo - NOTÍCIAS - Cachorros vira-latas têm vida de ‘rei’ em São Paulo

 

Cães que reviravam lixo agora têm comida de primeira e tomam até florais.
Especialistas ressaltam resistência desse bichos sem raça definida.

Paulo Toledo Piza Do G1, em São Paulo

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Neguinha teve um vidão nos Jardins (Foto: Reprodução/Arquivo Pessoal)

Eles não têm documento que indique suas procedências, tampouco vêm de linhagens “puras”. Mesmo assim,  cachorros sem raça definida (os famosos vira-latas) levam uma vida de rei em São Paulo, com direito a diversos mimos e muito carinho por parte dos donos.
Um exemplo é a cadelinha Duda, de 1 ano. Encontrada há cinco meses pela socióloga Regina Guimarães Curi, de 48 anos, no Centro de São Paulo, Duda conquistou sua dona com o jeito calmo e olhar penetrante. “Eu a vi na rua um dia, mas tive de pegar um ônibus. Comentei com minha mãe que, se a visse de novo, levaria para casa”, diz.

 


Dias depois, ao voltar do almoço, Regina encontrou Duda deitada no chão. “Avisei no trabalho que ia sair e a levei direto para o veterinário.” Com apenas um carrapato e uma pulga no seu pelo marrom claro, a cadelinha apresentava saúde de ferro. Por precaução, o veterinário receitou alguns remédios para Duda.
A socióloga, então, correu ao supermercado para comprar alguns petiscos para sua nova melhor-amiga. “Levei queijo para enrolar o remédio, mas ela não quis. Então, resolvi usar patê de presunto.” Duda adorou. Desde então, a cadelinha que antes revirava lixos no centro vive rodeada de tudo de bom e do melhor em seu apartamento no Itaim Bibi. Toma banho quinzenalmente, ganha ossinhos e bifinhos, tem roupinhas e é adepta da medicina de florais. “Ela tem muito medo de homens e às vezes não gosta de ir muito longe de casa. Por isso, dou a ela uns florais para combater isso”, completa a dona “coruja”.

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A vira-lata Duda dorme na cama da dona (Foto: Reprodução/Arquivo Pessoal)

Outra sortuda é a vira-lata Cookie, 5 anos. Não fosse a aposentada Maria Cristina Reis Adamo Rossi, 55 anos, essa cadelinha poderia ter tido um destino cruel. Ela e outros quatro irmãozinhos foram abandonados dentro de um saco de plástico, ainda filhotes. Levados às pressas a uma cadelinha da raça maltês que recentemente havia dado à luz. “Só três filhotes sobreviveram, entre elas a Cookie”, comenta Maria Cristina.
Ao chegar ao seu novo lar, na Vila Olímpia, a cachorrinha ganhou brinquedos, ração, ossinhos, frutas e uma bela caminha. “Ela tem roupinhas, mas usa só quando está frio”, diz. Uma vez por mês, vai ao pet-shop tomar banho. “Mas quando está muito quente eu dou banho nela.”
Segundo a dona, a palavra que melhor define Cookie é: apaixonante. “Cookie é muito companheira, mansa. Ela agrega a família. Cada um que chega ela faz festa, mas de modos diferentes.”
A cadela Neguinha, 18, também teve uma vida de rainha. Com um olhar doce e uma esperteza de dar inveja a qualquer malandro profissional, Neguinha conquistou seus donos há 15 anos. “Ela ficou parada durante três dias na porta da casa de meu filho”, conta a professora Edith Marques Ferrari, de 70 anos.
Após ser adotada, teve tudo de bom e do melhor nos três lares onde viveu. “Primeiro, morou com meu filho; depois, com minha mãe e até julho, morou comigo”, diz sua dona. Na primeira casa, ganhou muitos brinquedos, nas outras, mais carinho e muita comida. “Ela tomava banho semanalmente, ganhava ossinhos e biscoitos de vez em quando.”
Durante seus passeios, brincava com outros cães -mas apenas com os do sexo oposto. “Cadela, ela batia”, lembra, saudosa, Edith. “Ela sempre foi muito paqueradora. Tinha um cão do bairro que até se assustava. Ela corria atrás deles Era muito assanhada.”
Até julho, viveu muito feliz em um apartamento nos Jardins ao lado da dona e de seu companheiro canino Beethoven, um lhasa apso de 14 anos. No último dia 9, teve de ser sacrificada por conta de uma anemia. Tirando esse problema no final da vida, Neguinha sempre foi saudável, conforme Edith. “Ela era muito resistente, haja vista a idade.”

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Foto: Paulo Toledo Piza/G1

Cães vira-latas são mais resistentes (Foto: Paulo Toledo Piza/G1)

Diferenças

Não é apenas o pedigree que difere um cachorro de raça de um vira-lata. Cães de linhagem pura são fruto de anos e anos de cruzamento assistido. Visando manter o padrão da raça, os criadores selecionam os cachorros que mais se enquadram no perfil desejado e deixam com que estes cruzem entre si (a famosa seleção artificial).
Essa padronização tem suas vantagens. As características variam muito pouco entre indivíduos da mesma raça. Isso é vantajoso quando da escolha do cachorro. Por exemplo: se você procura um cão para viver em uma kitnet, um são bernardo não é a melhor escolha. “Sabe-se desde filhote como ficarão esses cães”, diz o veterinário Marcelo Quinzani, da PetCare.
Em compensação, cachorros com pedigree sofrem com problemas crônicos e doenças genéticas. Baixinhos como os basset hounds e os daschounds, por exemplo, têm uma tendência maior a sofrer de problemas de coluna e de sobrepeso. “Cães com pedigree têm mais facilidade de ter doenças hereditárias. Se só cruzar com, iguais, mantém as características boas e ruins”, completa Guinzani.
Vira-latas, porém, têm uma grande vantagem no quesito “problema congênito”. “Quando se mistura cães de raças diferentes, a tendência é de que certas doenças características desapareçam”, afirma o veterinário Enrico Lippi Ortolani, professor da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo. Para exemplificar, Ortolani lembra dos poodles, que têm muitas infecções nos ouvidos. “Quando mistura um poodle com um cão de rua, o híbrido perde essa característica”, ilustra. “Ficam menos propensos a ter doenças.”
Além disso, ao contrário dos cães de pedigree, os vira-latas que vivem nas ruas (e que geram a maioria dos cães sem raça definida adotados) estão à mercê da seleção natural. Sem acesso a remédios, a proteção de humanos e a uma alimentação balanceada, esses bichos seguem a lei da selva em plena cidade grande. “Os que sobrevivem tornam-se muito resistentes. Os menos aptos morrem”, conclui o professor da USP.

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